A Lagoa eternizada em Natal

As brancas areias abundantes em sílica, lixiviadas pelas águas da chuva e da lagoa, cintilavam à luz do sol das manhãs natalenses, exibindo a exuberante mata ciliar próxima da lagoa. Em razão de compor um farto arisco, resultado desse processo de lavagem, não era possível o tráfego de carroças com tração animal, quem dirá dos raríssimos Ford´s ou Jeep´s, cujos condutores se aventurassem a lavá-los na lagoa. Mesmo assim, apareciam alguns cavalos para serem banhados na lagoa. Nas primeiras horas das sobreditas manhãs, as areias fofas e de cor clara se permitiam a serem pisoteadas, sem contudo queimar os pés das lavadeiras e crianças que ali se recolhiam: as mulheres para lavar roupas e as crianças para pegar piabas, tomar banho de lagoa e espiar os bovinos da vacaria que ficava nas proximidades da lagoa. As moradias eram pouquíssimas e modestas naquele belo espaço interdunar. O barro batido e socado entre as varas entrelaçadas que eram retiradas nas proximidades da lagoa, originavam as casas de Pau a Pique, Taipa de Sebe ou Taipa Socada. Próximas da lagoa, havia poucas casas, mas estavam presentes, onde hoje se instala a Farmácia Santa Fé (Av. Alexandrino de Alencar com Av. Prudente de Morais). Como narrado anteriormente, havia uma vacaria de pequenas dimensões, em comparação com os latifúndios onde se morre de “Ave bala”. Ali, onde atualmente se instalam a TIM CORPORATION, HIPER WALMART e MAC DONALD, coincidentemente transnacionais, seu “Suarinho”, um senhor de traços já evidentes pela lida diária com o gado, abastecia com leite bovino, grande parte dos moradores nas proximidades da lagoa que cedia, generosamente, suas águas para o farto e suculento capim de sustentação do gado. Quando criança, minha mãe me acordava um pouco antes dos reluzentes raios setentrionais e colocava um pouco de açúcar no copo. Descíamos na atual Rua Clóvis Beviláqua que terminava na cancela central da vacaria, para tomar leite na hora, cuja vantagem era que já vinha morno para afugentar a nesga de sono que ainda insistia em me derrubar. Observando esses atores, as águas da lagoa já aguardavam as mulheres que desciam com seus samburás, bacias e baldes. Naquele momento eram mulheres na condição de lavaderias. Donas de casa que quase diariamente desciam das Ruas do Cacete (Hoje Aristides Lobo), Antonio China, Clóvis Beviláqua, Prudente de Morais, São José, São João e Alberto Silva. Abriam as trouxas de roupas, molhavam e, ato contínuo, passavam o sabão. Algumas batiam na roupa com um pedação de madeira, outras em pedras que eram trazidas para beira da lagoa e outras que eram batidas na própria lâmina D’água da lagoa. Quase todas eram, invariavelmente, colocadas para quarar. Debalde, as mulheres que levavam os meninos para acompanhá-las, pediam para que não fizessem tanta algazarra. Porém, a lagoa maternalmente acolhia as crianças, oferecendo-as piabas, girinos, sapos, cachorro D’água, mussuns, gias e tantos outros seres que atraiam a meninada. Esses dois últimos, por algumas vezes eram tidos como iguarias para alguns adultos. O negro conhecido como “Tatu” era exímio caçador de Mussuns e Gias. Quanto as Piabas, por serem muito ágeis e diante da habilidade pueril das crianças, apenas eram apanhadas quando eram direcionadas às margens da lagoa. Após apanhadas eram colocadas dentro de sacos plásticos e exibidas como troféu da habilidade de que pudesse pegá-las. Se viessem acompanhadas de girinos o opacote estava mais completo. Atentas a lavagem das roupas, as mulheres tomavam o cuidado de lavar e enxaguar as roupas coloridas na água “corrente, que já apresentara alteração na cor, devido a ação desumana do homem. A senhora conhecida como “DonAna” enterrava alguns tabores dentro da lagoa, deixando-o com a “boca” um pouco abaixo da linha dágua, para que as roupas brancas fossem enxaguádas na água mais clara da lagoa. E assim, essa majestosa lagoa, cujo porão era nas imediações do MacDonalds e suas águas se espalhavam até as Lojas Maias na Prudente de Morais, meandrando no Corpo de Bombeiros e escapulindo pelo Ginásio Santa Filomena (Atual Ginásio Maristela), passando pela Lagoa Manoel Felipe e desaguando no imponente Potengi, é uma grandiosa memória afetiva da cidade do Natal, compondo o Bairro de Lagoa Seca.